Home » Livros » Dom Quixote de La Plancha (Escrita Fina Edições, 2011, 128 páginas) |
Hoje tem marmelada? Tem, sim, senhor. Hoje tem goiabada? Tem, sim, senhor. Hoje tem Dom Quixote de La Plancha? (silêncio).
Estamos no gran Circo Cervantes, que ajudou a escrever a história do circo no Brasil. Dom Quixote de La Plancha é Jean Alonso Leblanc Saavedra, equilibrista dos melhores com apenas 15 anos. Sua vida acaba de despencar: ele caiu de cima de uma pilha de quatro pranchas do seu rola-rola. Ohhhhh!!!!!, exclama o público.
Dom Quixote, para tentar conquistar sua Dulcineia, a bailarina Luciana, se arriscou demais e... falhou.
Com a queda ele rompeu o rim, o único que tinha, e agora, à espera de um transplante, está impossibilitado de seguir com o circo. Então, faz apenas o que lhe restou fazer: ele sonha, sonha com sua liberdade.
Um livro sobre surpresas. Aquelas surpresas que nos atordoam e nos deixam sem chão, mas que nos ensinam que há sempre outros caminhos além daqueles a que já estamos acostumados.
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Até que chegou a hora tão esperada, principalmente por mim. A hora de provar que eu era o príncipe do picadeiro e de conquistar o coração da minha princesa de uma vez por todas.
— E agora com vocês, senhoras e senhores... — trombeteou Tonico Teles, entre tambores rufando. — ... nosso menino-prodígio, o fabuloso fenômeno do rola-rola... o grandioso acrobata e equilibrista...
— DOM QUI-XO-TE DE LA PLAN-CHA! DOM QUI-XO-TE DE LA PLAN-CHA! — respondeu o coro retumbante da plateia.
E Tonico Teles completou, bombástico:
— Jean Alonso Leblanc Saavedra... mais conhecido como... DOM QUIXOTE DE LA PLANCHA!
Palmas e assobios. A orquestra atacou de “Guerra nas Estrelas”, e eu fiz uma entrada triunfal. Fui recebido com estrondoso aplauso, e logo me peguei imaginando o que a Luciana ia achar de tamanho sucesso.
Então me preparei pra começar o show. Público em silêncio, suspense no ar. Eu sentindo o suor descendo frio pela testa e o coração acelerado a mil. Me concentrei por uns instantes, tomei fôlego e pulei na mesa. Com uma multidão de olhos colados colados em mim. E revivi a tremedeira da primeira vez.
A história cheia de surpresas de um jovem equilibrista
Em seu novo livro, Laura Bergallo conta, sem melancolia ou lugares-comuns, como Dom Quixote de La Plancha saiu dos picadeiros para a fila de transplantes
Jean Alonso – mais conhecido como Dom Quixote de La Plancha – tem serragem nas veias. Isso porque pertence à quarta geração de uma verdadeira dinastia de circo. Filho de trapezistas, neto de palhaço e bisneto de acrobata, Alonso herdou a paixão pelo picadeiro e a habilidade como artista: com apenas 9 anos, já era craque no rola-rola. Seu número no Gran Circo Cervantes, no qual fazia estripulias em cima da prancha, sob a fantasia do herói espanhol, levava a plateia ao delírio.
Por tudo isso, Dom Quixote, ou melhor, Alonso, era um garoto muito feliz. Adorava trabalhar no circo e viver viajando; sabia que tinha nascido para aquilo. E, ainda por cima, aos 15 anos conheceu sua Dulcineia: Luciana, a linda filha de um mágico.
Foi para ela que, um dia, o garoto exagerou na ousadia. Queria fazer um grande número para conquistar o coração da amada, com muitos cilindros e malabarismos, e até tirou a lonja da cintura, para aumentar o suspense. Estava impecável na apresentação, até que algo de inusitado aconteceu. E, a partir daí, sua vida mudaria definitivamente.
Ao despencar do alto das muitas camadas do rola-rola, num acidente banal, Alonso fraturou um rim – o único que tinha. Foi então que, do mundo mágico das acrobacias e palmas do picadeiro, caiu assim, de supetão, no universo de máquinas, agulhas, remédios e homens de branco. Uma nova realidade onde ele não podia mais pular, viajar ou fazer números. Onde não tinha mais Luciana, sonhos de artista, treinos e aventuras. No seu lugar, palavras estranhas como “hemodiálise”, e um número assustador num cartão: sua vez na fila de espera por um transplante.
Por isso, Dom Quixote de La Plancha é uma história, sobretudo, de superação. Como aprender a viver num mundo tão diferente do seu, com limitações impostas tão à queima-roupa? Como é, para um adolescente acostumado a explorar de forma lúdica os seus próprios limites, ver que num repente estes limites são outros – muito mais próximos, muito mais sufocantes?
Num delicado elogio à imaginação e à coragem, Laura Bergallo constrói uma história que nem sequer resvala nos riscos de melancolia que habitam o tema. Pelo contrário, em sua viagem pela vida de Jean Alonso, nunca abandona a graça do picadeiro, com sua primordial premissa: a de encarar com garra e risos nossos maiores desafios.
Além disso, o novo livro da premiada autora tem o mérito de lançar luz à arte circense no Brasil, mostrando como é a vida desses artistas nômades que levam alegria a tantas cidades.