Home » Livros » A Câmera do Sumiço (Editora DCL, 2007, 176 páginas) |
O dia era 14 de agosto. Clarice saiu da escola mas não foi à aula de jazz, de que tanto gostava, e nem voltou para casa. Junto com ela estava Leandro, seu namorado.
A polícia não encontrou nenhuma pista dos dois até que Maria Clara, irmã de Clarice, resolveu entrar em ação. Acompanhada de Maicon, um novo amigo que também teve o primo desaparecido, ela descobriu que outras pessoas também sumiram no mesmo dia.
Qual seria a ligação entre tantos desaparecimentos? A explicação está numa narrativa cheia de suspense que envolve uma cientista maluca, um perigoso ditador de um país estrangeiro e um político corrupto, entre outros personagens que frequentam o asfalto e a favela nessa história de temas tão contemporâneos.
Numa mistura de suspense e ficção científica, Laura Bergallo traz elementos da realidade numa supreendente e inesperada aventura.
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— Eu estou perdida — ela finalmente disse, bastante angustiada. — Me meti numa encrenca danada, e agora ninguém vai poder me ajudar.
— Tem a ver com esse tal Maravilhoso Líder? — o Maicon tinha gravado direitinho o que ela disse quando nos encontrou.
— É. O Maravilhoso Líder é o maior dos meus problemas, mas infelizmente está longe de ser o único.
— Não é pior que ter uma irmã sumida. A senhora não faz idéia de como é horrível!
— Pode ser que eu saiba o que aconteceu com a sua irmã. E com os outros também — sua voz tremia um bocado. — Mas é que é uma história muito comprida e complicada, que não dá para contar assim de repente.
— Ah, mas a senhora vai contar. Porque agora que a gente está aqui, não vai embora sem uma boa explicação.
Então ela levantou da poltrona de olhos arregalados, e começou a investigar freneticamente os cantos da sala. Olhou atrás das cortinas, examinou embaixo dos sofás, se agachou pra verificar atrás do balcão, encostou o ouvido na porta de vidro que dava para o hall de elevadores... Parecia muito perturbada.
Naquela hora eu cheguei à conclusão que o nome dela — Malu K. Bessa — não era assim tão estranho, afinal. Aliás, combinava direitinho com aquela personagem tão bizarra, engenheira psicotrônica com especialização em psicocibernética.
Mas eu ainda não tinha visto nada. Nada mesmo.
Recado da autora: 'A Câmera do Sumiço' é o oitavo livro para jovens que publico, mas foi o que mais gostei de escrever.
Foi muito divertido conviver por um tempo com a cientista maluca Dra. Malu K. Bessa, com o Maicon e com tantos outros personagens, tudo isso na pele da Maria Clara, uma garota que, como eu, anda perplexa com o Brasil em que vivemos hoje.
A história se passa às vésperas das eleições de 2006, e conta uma aventura engraçada que fala de coisas que não têm graça nenhuma, mas que a gente pode reconhecer a toda hora ao ler jornais ou ver televisão.
Convido, então, o jovem leitor a viajar comigo por esse mundo que só existe na minha cabeça e nas páginas do livro, mas que em muito se parece com o nosso próprio mundo.
E espero que, além de divertir, essa viagem também faça pensar.
'A Câmera do Sumiço' foi recomendado
na edição especial 'Leitura'
da revista 'Nova Escola'
(abril/2008).
Entrevista com a autora para o site da Editora DCL,
após o lançamento de 'A Câmera do Sumiço'
(22/1/2008)
Falando do futuro
Laura Bergallo é uma escritora que não tem medo de falar do futuro. Como poucos, escreve ficção científica que prende o leitor do início ao fim. Criar histórias é um momento único em que tudo vale a pena. Divirto-me muito fazendo isso. Nesta entrevista exclusiva, fala da influência dos livros na sua formação, acho que a gente nunca fica igual ao que era depois de ler um bom livro, e conta que histórias e personagens invadem seu sono. Às vezes acordo no meio da noite com idéias borbulhando.
Confira:
Editora DCL – (DCL) – Como foi sua infância e a relação com os livros?
Laura Bergallo (LB) – Minha infância foi um pouco complicada. Sou de uma geração que teve pais autoritários, pouca liberdade e muita repressão. E isso acontecia principalmente no caso das meninas, que eram muito presas.
Os livros eram meu passaporte para a liberdade e o sonho. Na verdade, ler era viajar por lugares e situações que eu não conhecia por experiência própria, era sair da realidade restrita e mergulhar na fantasia sem fronteiras.
Mas não apenas ler era fundamental. Para mim, escrever também. Fazia cadernos e mais cadernos de textos e desenhos, desde que me alfabetizei. A imaginação e os livros me ajudaram a crescer, a me preparar para um mundo que eu só via da janela, como Rapunzel.
DCL – Você se lembra do primeiro livro que leu? Fez diferença na sua vida?
LB – Não me lembro do primeiro, porque foram muitos. Mas me lembro que, no meu aniversário de nove anos, recebi um presente que me deixou encantada: meus pais me deram uma pilha enorme de livros, entre os quais estavam clássicos como O Guarani, Senhora, A Moreninha e Helena. E todos eles fizeram diferença na minha vida, assim como os que vieram depois. Acho que a gente nunca fica igual ao que era depois de ler um bom livro; ele sempre muda alguma coisa na nossa vida (ainda bem!).
DCL – Conte uma obra que depois de lida mudou algo para você.
LB – Acho que a resposta não vai ser original. Sem dúvida, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que deve ter mudado alguma coisa na vida de um monte de gente por aí, não só na minha. Memórias Póstumas... me fez ver que a literatura pode ser muito divertida, mesmo tratando de temas sérios (como a morte, no caso). E isso me influencia até hoje, quando escrevo.
Na mesma linha, adorei Pantaleão e as Visitadoras, de Mario Vargas Llosa, que li muitos anos mais tarde.
DCL – Quando foi que descobriu seu talento de escritora?
LB – Bem, talento eu não sei... deixo essa resposta para os críticos e para os leitores. Mas desde que aprendi a escrever adoro escrever. Desde que comecei a juntar palavras para fazer frases, e frases para fazer histórias, me divirto imensamente fazendo isso. É minha hora do recreio, um momento único, em que tudo vale a pena.
DCL – Qual foi a primeira história publicada?
LB – Em 1986, publiquei um livro para crianças, Os quatro cantos do mundo, que falava da tolice que é o racismo e a intolerância. Mas, depois disso, e por contingências pessoais, parei por um bom tempo. Em 2002 publiquei meu primeiro livro para jovens, Um Trem para Outro(?) Mundo, pela Editora Saraiva, uma aventura de ficção científica que começa com uma queda violenta das bolsas de valores mundiais. A partir daí, tenho publicado sempre. E sempre histórias que usam a ficção (muitas vezes a ficção científica) para falar da realidade contemporânea. Ou seja, uso muito o futuro para falar do presente.
DCL – Teve vontade de mudar algo no texto depois de ver o livro pronto?
LB – Sempre reviso meus livros com a máxima atenção e cuidado. Por isso, não costuma acontecer de eu ter vontade de mudar alguma coisa depois de ver o livro pronto.
DCL – Como surge a história de um livro?
LB – Difícil responder a essa pergunta. Surge assim, sem que eu saiba como. Deve vir das profundezas do inconsciente, porque, quando estou escrevendo um livro, sonho com a história e os personagens, acordando várias vezes à noite com tudo borbulhando na cabeça. É meio cansativo, até porque (justo eu que não costumo ter insônia) fico com o sono muito agitado.
DCL – Conte o processo de escrita: você anda com um bloquinho na bolsa? Dorme com um papel ao lado da cama? Ou tem um lugar todo especial para criação de histórias?
LB – É até engraçado... Não tenho uma memória nada invejável. Anoto todos os meus compromissos numa agenda (que é meu HD externo), senão esqueço tudo, até as coisas mais cotidianas. Mas, tratando-se das histórias que invento... não preciso anotar nada, porque não esqueço de nada! Quer ver um exemplo? Corro no Aterro do Flamengo (um parque lindo que temos aqui no Rio, à beira-mar e de frente para o Pão de Açúcar) três vezes por semana durante uma hora, de manhã cedo. Quando estou escrevendo, aproveito esse tempo para ir pensando na história e bolando coisas. Muitas vezes, só tenho tempo de passar isso para o computador à noite ou nos fins de semana e... pasme! Está tudo lá, em detalhes, sem esquecer nadinha. Acho que tenho um chip de memória exclusivo para armazenar histórias!
E não tenho lugar especial para trabalhar; escrevo no meu escritório (onde edito revistas médicas) no fim do expediente ou em casa à noite e nos fins-de-semana. Basta ter um computador com editor de textos e um lugar pra sentar.
DCL – Quem são os primeiros leitores de seus livros, ainda na fase de criação? Seu marido, filhos, sobrinhos, amigos?
LB – Tenho uma grande amiga e mestra (que me ensinou muita coisa de literatura juvenil), a Anna Claudia Ramos, que, além do mais, é uma talentosíssima escritora de livros infanto-juvenis, a quem costumo dar meus originais fresquinhos, recém-saídos do forno, para uma indispensável opinião. Algumas vezes, outros leitores como marido, filhos, mãe, irmã e sobrinhos, dão seus palpites também. Costumo levar todas essas opiniões muito a sério, porque a gente, quando escreve, fica tão envolvido com o processo, que, às vezes não percebe alguns defeitinhos que precisam ser corrigidos. E, se o objetivo é fazer o melhor (como é o meu caso), esses palpites externos são sempre fundamentais.
DCL – Seu livro A câmera do sumiço é ficção científica. Qual é o gênero que mais gosta de escrever?
LB – Isso mesmo, ficção científica. Ou histórias contemporâneas? Na verdade, as duas coisas. Costumo viajar na maionese, indo para o futuro e voltando, misturando elementos da fantasia com elementos da realidade, até porque acho que o tempo é um só, um enorme todo no qual nos debatemos impotentes como insetinhos presos a uma imensa teia de aranha.
DCL – Onde busca inspiração para suas histórias?
LB – Na realidade. No planeta Terra. No país em que vivemos, que é imensamente inspirador (no bom e no mau sentido!). Na minha cidade, no meu bairro, na minha rua, nas pessoas que conheço. Na verdade, inspiro-me na vida, para recriá-la a meu gosto. E isso é incrivelmente divertido. Adoro uma frase de Fernando Pessoa, que repito a toda hora: a literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta. E eu confesso: realmente, para mim a vida não basta. Preciso reescrevê-la sempre para ficar satisfeita.
DCL – O que mudou em sua vida depois do primeiro livro publicado?
LB – Não sei se logo depois do primeiro, mas ao longo desse tempo em que venho publicando sem parar (desde 2002 tenho publicado todos os livros que consigo escrever no pouco tempo de que disponho) muita coisa mudou. Para começar, quando a gente vê os livros publicados, tem estímulo para continuar escrevendo. Eu, pelo menos, não tenho nenhuma pretensão de ser famosa, mas (como qualquer escritor, penso eu) acho indispensável ser lida. E só posso ser lida se publicar, é claro. Já que publico, tenho escrito sempre que posso.
Depois de ganhar alguns prêmios - o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, em 2006, e o Jabuti, em 2007 - a coisa esquentou um pouco mais. O estímulo ficou ainda maior, pena que o tempo disponível tenha continuado o mesmo.
DCL – Fale sobre o processo de criação de A Câmera do Sumiço.
LB – Decididamente, ao escrevê-lo, foi o livro que mais me divertiu. A história se passa às vésperas das eleições de 2006. É uma aventura movimentada que fala de corrupção na política e outras mazelas muito brasileiras, como violência e desordem urbanas, contraste entre favela e asfalto nas grandes cidades, e outras bem atuais. Dá para imaginar que inspiração foi o que não faltou.
Embora não tenha nada de partidário (afinal, não simpatizo especialmente com nenhum partido político), o livro é ousado, sem deixar de ser muito engraçado. A narrativa é na primeira pessoa (quem conta a história é a protagonista Maria Clara, uma adolescente carioca), e inclui uma cientista muito maluca (a Dra. Malu K. Bessa), um garoto gente-boa nascido e criado na favela (o Maicon), uma repórter investigativa cheia de garra (a Valeska Louzada), um político pra lá de desonesto (o candidato), e o todo-poderoso ditador de um país estrangeiro (o Maravilhoso Líder). Uma mistura muito divertida, com toques de ficção científica e realidade brasileira, que eu adorei escrever.
DCL – Conte sobre seu novo livro Operação Buraco de Minhoca e suas expectativas junto aos leitores.
LB – Operação Buraco de Minhoca tem um quê de autobiográfico. E só vai descobrir o que eu quero dizer com isso quem ler o livro. Posso adiantar que é uma aventura (de novo!) de ficção científica, que tem como pano de fundo a séria e atualíssima questão do aquecimento global. Mas não pretende ser um livro politicamente correto, no sentido chato do termo. Não quero passar lições de moral nem doutrinar ninguém (até porque não acho que seja essa a finalidade da literatura), mas acho que a história, além de divertir, vai fazer pensar.